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31/03/2023 | 19h24 - Atualizada em 03/04/2023 | 11h56

Relatório da Comissão Estadual da Verdade do Pará, de 1964 a 1988, é apresentado na ALEPA

Reportagem: Carlos Boução

Edição: Dina Santos

O plenário Newton Miranda da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, abrigou e testemunhou nesta sexta-feira, 31 de março, a divulgação pública e oficial do Relatório Final da Comissão Estadual da Verdade e Memória do Estado do Pará, no dia e na data que registra 59 anos da implantação de um Ditadura Civil-Militar no Brasil, através de um Golpe Militar institucionalizado em 1964, com a deposição do presidente constitucional do país, João Goulart, com o apoio do Congresso Nacional.

Na solenidade, foram destacadas homenagens especiais aos membros que compuseram a Comissão Estadual da Verdade do Pará, constituída por representantes da sociedade civil e do Poder Público, em especial ao advogado Egídio Sales Filho, presidente, e do principal relator, Paulo Fonteles Filho. Eles foram os  idealizadores da comissão, e falecidos antes da conclusão dos trabalhos, e foram homenageados com a medalha Paulo Frota in memorian de Direitos Humanos, recebidos por filhos e netos presentes.

Os organizadores do Relatório Final receberam, ainda, a distinção da medalha Paulo Frota. Já os membros presentes da Comissão Estadual, criada pela Lei nº. 7.802, de 31 de março de 2014, foram homenageados com o recebimento de uma cópia física do relatório e os primeiros a receberem a edição. O livreiro Raimundo Jinkings, cassado político, também foi homenageado in menoriam com o mérito Paulo Frota.

O Relatório está composto por três tomos e apresenta à sociedade uma análise circunstanciada sobre as violações de direitos humanos e liberdades no Estado do Pará, no período de 1º de abril de 1964 a 5 de outubro de 1988, e tem o objetivo de garantir o exercício efetivo do direito de memória, da verdade histórica, e o de promover a consolidação do Estado Democrático de Direito.

Os três volumes foram publicados pela Imprensa Oficial do Estado do Pará (IOEPa), através da Editora Pública Dalcídio Jurandir, com recursos de emenda parlamentar do deputado Carlos Bordalo, presidente da Comissão de Direitos Humanos e de Defesa do Consumidor, e da ex-deputada estadual Marinor Brito. Ambos foram condecorados com a comenda outorgada pela ALEPA.

Neste primeiro momento, foram impressos 300 exemplares, que serão remetidos com prioridade para as Bibliotecas Públicas do Estado e outras de referência nacional. Para o público em geral, a obra estará disponível, na integra, no site do Poder Legislativo do Estado (www.alepa.pa.gov.br) e da Sociedade Paraense de Direitos Humanos http: //cev-para.com.br.Franssinete Florenzano

Um minuto de silencio foi realizado a pedido da jornalista Franssinete Florenzano, da Academia Paraense de Jornalismo, e que  integrou a Comissão Estadual da Verdade, representando o Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará, que inscreveu o capítulo IV. A imprensa paraense na ditadura: relatório da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas do Pará.

O deputado Carlos Bordalo (PT), presidente da CDH da ALEPA, historiou em seu pronunciamento as dificuldades e atropelos para a conclusão dos trabalhos da Comissão, instalada no longínquo 2014, "os trabalhos precisaram ser interrompidos muitas vezes, pelas inúmeras dificuldades encontradas em sua execução, principalmente pela falta de apoio do Governo do Estado a época".Deputado Carlos Bordalo

Para o deputado, o cenário político de então era outro. "Apesar das dificuldades e dos embates vividos, o Brasil era um país ancorado na democracia", disse. Ele avaliou que por este valor é que se buscou contar o que aconteceu neste período de 20 anos da história recente do país imposta pela ditadura civil-militar.

O parlamentar comparou, demostrando o paradoxo, que menos de dez anos depois da instalação da Comissão da Verdade, o Brasil amargou um retrocesso inconcebível.

E citou o retorno da censura, o genocídio indígena, o ataque aos direitos de minorias feitos pelo Governo Federal encerrado ano passado, direitos trabalhistas que são jogados pela janela, e o ataque ao meio-ambiente a tal ponto de ver a floresta amazônica chegar a um ponto irreversível de não retorno. Pontuou também a exploração mineral ilegal, o agronegócio predatório, os ataques sofridos pela arte e pela cultura, a expulsão de quilombolas e indígenas de suas terras e a mentira e a desinformação terem sido institucionalizadas.

Para o jornalista Ismael Machado, um dos organizadores da edição, o Relatório Final, terá um papel importante. "Porque ele consegue resgatar uma memória que se tenta esquecer, jogar para debaixo do tapete, e até reescrever para se esquecer este passado". Para ele, ao contar essas histórias, temos a possibilidade de não repetir os erros do passado.

Já Marcelo Zelic, do Armazém Memória/SP, outro colaborador na publicação, apontou em sua fala para o futuro, que encontra-se na edição das indicações de recomendações. "Temos que olhar esses depoimentos, identificar as ações de violência e violações que ocorreram e que repetem em nosso presente e propor mudanças no Estado de combate a essas condutas para que elas não se repitam na história". Criticou os círculos de repetição, denunciou as agressões e a fome do povo Ianomami e exigiu a criação de mecanismos da não repetição.

Dulce Roque, economista que viajou a antiga União Soviética em 1969 para continuar seus estudos, e depois de formada indo para a Itália, onde se casou com membro do Partido Comunista da Itália, não conseguiu voltar ao Brasil em 1974, porque o seu nome e retrato de procurada estavam nos aeroportos e por opção e por temer represálias aos seus filhos, decidiu não voltar.

Em 1979 com a Lei da Anistia veio ao Brasil. Mas sua volta definitiva se deu somente em 2005.

Para Dulce, é um absurdo que ela tenha dedicado 59 anos de vida de luta contra a ditadura, dos 80 que tem hoje, para ter que voltar a lutar por liberdades e pela democracia no Brasil. "Por isso acho de fundamental importância que este assunto deveria ser discutido e ensinado nas escolas", falou.Jorge Panzera

Jorge Panzera, presidente da Imprensa Oficial do Estado a entrega do Relatório, foi de um simbolismo muito grande, até porque sua entrega ocorreu neste 31 de março, data de um golpe contra a democracia brasileira. "É um documento histórico para o Estado, um olhar do que foi esse tempo para não se repetir no futuro".

O advogado Marco Polo, ex-presidente da SPDDH e membro da Comissão Estadual da Verdade, considerou como contraditório o que estava sentindo. "Estou feliz ao lançar este relatório, pois nele se vê o sofrimento de mulheres e homens, filhos que tiveram pais e mães assassinadas, pessoas que foram presas, mulheres que foram estupradas por agentes da ditadura militar, camponeses que foram assassinados e perseguidos, e por outro, é desafiador, porque é apenas um ponto de partida para continuar essa luta, para não esquecer das agruras, das tragédias cometidas pela ditadura militar".Jarbas Vasconcelos

Para o secretário estadual de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH), Jarbas Vasconcelos, cuja secretaria foi recentemente criada pelo governador Helder Barbalho, que é preciso se afirmar uma política forte de direitos humanos no país e no Pará, caso contrário, "iremos continuar correndo o risco de ver ameaçada a nossa democracia", assinalou.

"Precisamos criar mecanismos de memória, de verdade, de justiça, de reparação e sobretudo criar mecanismos de não repetição de violência contra os direitos humanos". Para isso ele pretende institucionalizar políticas públicas, com a criação de mecanismos de reparação e o de não repetição de eventos violentos contra os mais necessitados.

Para o secretário, sem essa política de direitos humanos, o Estado acaba defendendo os que não precisam e mostrando sua face perversa contra aqueles que precisam do Estado". E citou, o que ocorre no campo, nas invasões de terra, com os quilombolas, os indígenas e demais. Ele considerou, entretanto, para ser ter esta política consistente é preciso que cada município do Estado tenha uma secretaria municipal de Direitos Humanos. "Hoje não temos nenhuma secretaria municipal nos 144 municípios do Estado. "Não tendo, é difícil pensar em uma política pública forte, institucionalizada, com profundidade e que venha ocupar o centro da política no Estado.

Na mesa oficial participaram, ainda, Airton Carneiro, representando o Tribunal de Justiça do Estado; Maria Maia, representando da Defensoria Pública do Estado; a promotora Claudia Pinho, do Ministério Público do Estado, e Eliana Fonseca, presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH).