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Protocolo de Consulta Prévia, Bem Informada e de Consentimento Livre do Território Quilombola São José do Icatu será lançado em Sessão Especial, na Alepa
Reportagem: Sandra Rocha - Ascom Cáritas Brasileira Regional Norte II
Edição: AID - Comunicação Social
O Território Quilombola São José do Icatu, de Mocajuba (PA), de 252 anos, lançará seu “Protocolo de Consulta Prévia, Bem Informada e de Consentimento Livre” em sessão especial na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), na segunda-feira, dia 8 de junho, a partir das 9h.
O documento descreve o território, o modo de vida da população e define regras para que ela seja consultada pelos governos antes que qualquer empreendimento ou serviço gerador de impactos seja instalado.
Localizado nas extremidades dos municípios de Mocajuba e Baião, na Região Nordeste do Estado do Pará, Microrregião do Baixo Tocantins, na Amazônia Paraense, o território abriga 80 famílias descendentes de pessoas escravizadas. Segundo o professor Domingos Flávio Lopes Farias, quilombola, historiador e morador da comunidade, elas fugiram, provavelmente, dos municípios de Cametá, Igarapé-Miri e Abaetetuba.
A realização da Sessão Especial é uma parceria do gabinete do deputado Carlos Bordalo (PT), Assembleia Legislativa do Pará e Cáritas Brasileira Regional Norte II.
História
No protocolo, Feliciano conta que seus avós, Davi e Sancha Leite, estão entre os primeiros a chegar ao território. Eles tiveram sete filhos, entre eles sua mãe Filisbela e os irmãos Teodoro, Mariano, Quirino, Evaristo, Rita e Florinda. Pessoas mais antigas do quilombo também contam que o “Furo do Campelo’, acesso do Rio Putiri ao Rio Tocantins, foi escavado como proteção para ataques e via de acesso para a formação de outros quilombos na região.
Essas informações foram estruturadas a partir da organização dos remanescentes. Ao construírem a linha do tempo da comunidade, eles demarcaram 1770 como o ano em que o território começou a ser povoado. Em 1873, foi registrada a implantação da primeira escola e a nomeação do primeiro professor da comunidade, Lourenço Justiniano de Freitas.
A memória produzida pelos remanescentes traz outros fatos culturais, espirituais, econômicos e políticos que marcaram a história da comunidade. Em 1903, por exemplo, começaram as celebrações em louvor a São José como santo de devoção da família do senhor José Gonzaga Igreja (Cazuza Gonzaga Igreja). Em 1930, Crecêncio Cornélio Rosa de Farias foi convocado para fazer parte da força militar da revolução de 1930, que depôs o governador Eurico Vale.
A primeira auxiliar de enfermagem na comunidade (Firmina Brito Igreja – Maria Luiza) foi nomeada em 1977 e no seguinte, foi construído e inaugurado o Posto de Saúde de Icatu. Somente em 1980, foi registrado o primeiro quilombola da comunidade a ingressar na Universidade Federal do Pará para cursar o curso de Direito (Jorge Lopes de Farias) e a chegada do primeiro transporte comunitário (caminhão) adquirido pelo senhor Climério Rosa Rodrigues por meio da ONG República de Emaús.
Em 2002, o território deu um passo adiante no reconhecimento jurídico do espaço ao receber do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) o título coletivo de comunidades remanescentes de quilombola. A construção do Protocolo começou a ser articulada em 2018 e foi finalizada em 2022 após várias oficinas, rodas de conversa e atualizações baseadas no direito internacional, sobretudo na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
O Protocolo é encarado como mais um avanço que pode dar segurança jurídica à comunidade para acessar políticas públicas e ter seu direito à Consulta Livre, Prévia e Informada respeitado. O acesso a fomento, por exemplo, pode impulsionar a economia, garantindo condições de permanência da população no local, enquanto a consulta pode evitar o desmatamento, a redução dos recursos naturais e demais impactos que possam ser gerados por empreendimentos públicos ou privados.
Atualmente, a comunidade vive a preocupação com o projeto de construção da Hidrovia Araguaia Tocantins, corredor logístico que atenderá o mercado externo por commodities (grãos), especialmente o da China e Europa. Em 2022, uma caravana de movimentos sociais percorreu o rio Tocantins, cruzando onze comunidades que serão afetadas pela hidrovia, entre elas Icatu.
A bacia Araguaia-Tocantins banha 409 municípios distribuídos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste do Brasil. O rio percorre áreas de bioma amazônico e de cerrado, cruzando diversas comunidades que têm seus modos de vida associados a esses biomas. Por conta disso, qualquer alteração nos rios deve gerar impactos irreversíveis no espaço e na vida dos povos.
“O impacto é muito grande. A água do rio Icatu não vai existir mais. Como vamos sobreviver sem água? Utilizamos a água do rio pra beber, pra pescar. Hoje, já vivemos impacto grande com devastação ilegal. Vivemos em uma ilha. Será que a gente vai conseguir nosso direito? Se não temos, o Brasil perde também”, diz Maria José Brito de Sousa, presidente da Associação dos Pescadores do Quilombo de Icatu.
Direito à consulta
No requerimento da sessão especial, o deputado Carlos Bordalo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa, destaca que "o direito de os povos tradicionais serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, ou a chamada obrigação estatal de consulta, foi prevista pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a Organização Internacional do Trabalho - OIT adotou sua Convenção de número 169".
"Desde essa época, o chamado direito de consulta prévia tem demonstrado ser uma poderosa ferramenta política na defesa dos direitos desses povos ao redor do mundo", completa.
Biodiversidade
O território mantém vasta biodiversidade, com área florestal e de nascentes preservadas. A geografia espacial do local é cortada pelo Rio Icatu e diversos igarapés como o Icatu, Pai Tomé, Igarapé Açu e Curuperé, além de lagos como Quiandeua, Pirateua e Craval.
No território, o modo de vida está intrinsecamente ligado a esse bioma e às tradições culturais trazidas ou incorporadas pelos povos originários. Os rios são usados para pescar, lavar roupas, lavar utensílios domésticos, tomar banho, preparar a alimentação e se locomover para outros lugares. Das florestas, são coletadas sementes e frutos consumidos ou beneficiados para a venda.
Desde 2010, as mulheres do território criaram o “Grupo de Mulheres Quilombolas Flor da Roça”, coletivo que beneficia produtos naturais. Atualmente, elas vendem polpa de frutas como o cupuaçu, biscoitos e doces feitos de castanhas, atividades que têm fortalecido a economia local.
Nos últimos anos, a comunidade também tem se organizado para recuperar e preservar tradições através da arte e do esporte. Em 2021, realizou o IV Jogos Quilombolas em Homenagem e Valorização ao Dia da Consciência Negra e, naquele mesmo ano, criou a Banda Musical Raízes Negras do Quilombo de Icatu.
Apoio
A construção do Protocolo de Icatu e a busca pela garantia de direitos desse território e dos povos tradicionais têm recebido o apoio da Cáritas Brasileira Regional Norte II (Pará e Amapá). A entidade integra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organismo da Igreja Católica voltada à evangelização transformadora.
A secretária executiva da Cáritas Norte II, Maria Ivanilde Silva, explica que os povos tradicionais e a convivência com os biomas fazem parte das áreas de atuação prioritárias no Pará e Amapá. Através das ações de mobilização e formação, as comunidades são motivadas a atuar coletivamente pelo bem comum.
Para a construção do Protocolo, o território recebeu apoio da Cáritas através do Programa Global das Comunidades da Nossa América Latina. O projeto é financiado pela Cáritas Alemanha e pelo Ministério Alemão para Cooperação e Desenvolvimento, sendo executado pela Cáritas Brasileira (Regionais Norte 2 e Nordeste 3), Cáritas Honduras e Colômbia.
Nos três países, as comunidades tradicionais são fortalecidas em suas práticas de convivência com o bioma que colaboram para o equilíbrio do clima global. E também na organização coletiva para que incidam nas políticas públicas voltadas aos seus territórios.
Mais informações
Ascom Cáritas Brasileira Regional Norte II: Sandra Rocha (91) 99232-6124
